Sunday, April 29, 2007

Com maior ou menor frequência, acontece-nos a todos tropeçar em alguma coisa ou alguém que nos obriga a parar e a pensar. Os acontecimentos à nossa volta, as circunstâncias específicas de cada um, a vida vivida (e quase nunca sonhada) e aquilo que não entendemos levam-nos a fazer perguntas a nós próprios. A tentar perceber, a encontrar um sentido, a avaliar e a medir.

Ir ao fundo de si mesmo nunca é um caminho fácil nem linear e, por isso, instintivamente evitamos algumas direcções e preferimos certos atalhos. Parecem-nos mais seguros e, no imediato, até abreviam o percurso, mas intimamente sabemos que a longo curso muitos destes atalhos só multiplicam os trabalhos.

Temos tantas coisas mal arrumadas dentro de nós que a tentação de evitar caminhos é banal e universal. Ou seja, todos sabemos do que se trata.


Acontece que nem sempre podemos "ir à volta", assobiar para o ar ou fingir que não vemos o que estamos a ver e não ouvimos o que estamos a ouvir. Falo, em especial, da voz interior que nos habita e jamais poderemos calar. Falo de sentimentos, portanto.


Alguém disse um dia que "deixar-se amar é aquilo a que todos resistimos mais ao longo da nossa vida" e, de facto, deixarmo-nos amar é de certa forma incómodo. Senão vejamos.


Aceitar amar e ser amado envolve riscos à partida: podemos sofrer com esse amor; podemos achar que não estamos à altura de responder aos seus desafios; podemos sentir posse e ciúmes e podemos ter a angústia de o vir a perder. Para quem, como nós, tem tantos medos e aflições, e, insisto, tantas coisas por arrumar cá dentro, estes e outros riscos são um preço demasiado elevado para pagar pelo amor. Ou não. Tudo depende do preço que cada um está disposto a pagar por aquilo que é verdadeiramente essencial para si.


Acima de tudo, ninguém quer sofrer, mas na realidade também tem que haver lugar para a tristeza e, nesse sentido, cabe perguntar se por haver sofrimento as coisas deixam de ser importantes.

Voltando à questão do amor poder ser incómodo, vale a pena pensar que, sob a aparência de bem, o tempo e a vida muitas vezes se vão encarregando de nos tirar a capacidade de amar e de sermos amados, na medida em que nos vão enchendo de coisas, interesses, medos, equívocos, situações menos claras, critérios, prioridades e preguiças que vão instalando na nossa cabeça e no nosso coração e nos impendem de sentir com verdade. Este tempo vertiginoso e esta vida acelerada confundem-nos e alteram profundamente a nossa maneira de ser e de estar. Muitas vezes não percebemos o que é importante e não sabemos onde pomos o nosso coração. O pior é que frequentemente as nossas prioridades do coração não acompanham as da cabeça e é este descompasso de racionalmente sabermos o que vem em primeiro lugar, mas emocionalmente não sermos capazes de lhe dar a prioridade absoluta, que, tantas vezes, nos deita a perder.


E é justamente nesta lógica, neste sentido exigente e perturbador, que o amor exerce alguma violência sobre nós. Ou pelo menos alguma pressão, na medida em que nos obriga a perceber que se não há espaço para amar é porque esse espaço está ocupado com outras coisas.

Por tudo isto, só é possível ir mais longe se arriscarmos quebrar paredes e derrubar muros que permitam criar o espaço que nos falta. Ou fazer como fazem os entendidos, que podam as videiras e cortam os ramos para que os frutos cresçam mais e a seiva circule melhor.


Laurinda Alves, in Xis

Thursday, April 26, 2007

Wednesday, April 25, 2007

E tu, sabes quem és?



Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem achei.



De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,



Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.



Sou minha própria paisagem,

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.




Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.


Noto à margem do que li
O que julguei que senti.

Releio e digo: «Fui eu?»

Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa

Pois é, parece que pelo meio do que somos, do que queremos ser e das expectativas que nos são exteriores nos perdemos, por vezes. No meio de tantos estímulos, tentamos descobrir quem somos e o que queremos de nós.. tarefa complicada num mundo em que nem sempre se pode parar para nos escutarmos a nós próprios... Num mundo atarefado, temos duas opções: ou aprendemos a viver na confusão que nos caracteriza enquanto seres sociais (sim, porque mesmo aquele que tem a casa aprumada por vezes sente-se obrigado a arrumar o seu interior...) ou perdemos o "comboio" e vivemos alheios àquilo que o mundo tem de bom. Pois é, parece que entre tarefas escolares, emprego e quaisquer outras obrigações, tem que haver um espacinho para nós e para aqueles que nos merecem, claro! ;)
E pronto, após esta breve nota e visto que acredito que a grande maioria de vós conhece este grande poeta, não vou interpretar mais o poema. Espero que percebam bem :P
Este post é dedicado a um amigo ri-fixe, que diz que de poesia só gosta de Fernando Pessoa- o ortónimo- Ricardo Reis e de Mensagem... Então, hoje aqui fica um post para ti com um dos temas tão característicos do autor. Espero que gostes :)

Tuesday, April 24, 2007

Nada mais a acrescentar!


Há sem dúvida quem ame o infinito,
há sem dúvida quem deseje o impossível,
há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
porque eu desejo impossivelmente o possivel,
porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
ou até se não puder ser.


Álvaro de Campos

Sunday, April 22, 2007

Porque também me deixas triste assim...




O que se faz quando uma das pessoas que mais amamos na vida, consegue passar um dia connosco sem esboçar um sorriso sequer, como se tivesse perdido essa faculdade num qualquer beco desta vida amarga?
Quando conseguimos sentir as cores do dia e tentamos tudo para fazê-la sorrir e essa pesoa de cara abatida, num olhar esmorecido, está alheia ao mundo, atónita, tão apática como se tivesse adormecido? Quando já inventámos tudo, já rimos para ela, fizemos a voz mais doce, puxámos conversa, demos mimos, fizemos companhia...
E depois, de forma tão cruel, apercebemo-nos que não há nada que possamos fazer, que o dia está escuro como breu para a pessoa em questão e então somos apenas uma presença serena... como quem diz "quando precisares, estou aqui".
E serenamente, como quem já se habituou a isto, deixo que te acalmes.. Continuo a sorrir, na esperança que em breve me correspondas...

Saturday, April 21, 2007

What a wonderful world...




Porque esteve um dia lindo hoje :)

Friday, April 20, 2007

Somos o que somos e seremos o que formos



Tu e eu somos o que somos e seremos o que formos. Quanto a ser-se envenenado por um livro, não existe tal coisa. A Arte não tem qualquer influência sobre a acção. Aniquila o desejo de agir. É soberbamente estéril. Os livros a que o mundo chama imorais são os livros que mostram ao mundo o seu opróbio, nada mais.



Oscar Wilde, in "O Retrato de Dorian Gray"

Thursday, April 19, 2007

Voo para te alcançar...




Acredito...
Por momentos acredito que posso voar, desprender-me deste solo que me cerca, erguer os braços, rodopiando, enquanto deixo a minha face ser acariciada pelo sol que resplandece de ousadia.
Por momentos sinto o mundo como um local perfeito, onde tudo o que é bom se eterniza dentro de nós.
Por momentos rodopio numa cálida noite de estrelas,banhada pelas ondas eternas de saudade e pelo cheiro a maresia.
Por momentos ganho asas e vou ter contigo, para te levar até ao infinito, onde nada existe para além do amor.

(foto tirada no Vale do Silêncio, em Taizé)



Não se pode encontrar a paz evitando a vida.


Nicole Kidman in "The Hours"(2002)

Tuesday, April 17, 2007

Argh!!!


Aiiiii... estou tão irritadiça!

Qualquer barulhinho me incomoda hoje... Vozes altas, os chinelos a bater no chão, as perguntas insistentes da irmã, as brincadeirinhas dela, a voz da mãe a dizer que não jantei... Tento controlar a fúria por tudo aquilo que vai acontecendo e que me vai deixando sucessivamene mais irritada.
Tenho coisas pa fazer e não consigo, tenho sono e tou rabugenta! Tentei dormir e não me deixaram!
Há dias assim.... rsrsrs
Hoje é um daqueles que me apetece estar sozinha, sem ninguém que me chateie!
Ou apenas com alguém que me abrace e que seja capaz de me acalmar...
Só me apetece... humpft! Quando dei por mim já tava a mandar vir mesmo. Nada de grave, porque até me sei controlar... Está uma noite chata, heim? =P

Uma voz fenomenal!



É bem verdade que as músicas influenciam os nossos sentimentos mas, para ser sincera, quando oiço esta fico sempre algures entre o feliz e o triste, fico melancólica, pensativa...
Aqui fica a letra:

How can I think I'm standing strong,
Yet feel the air beneath my feet?
How can happiness feel so wrong?
How can misery feel so sweet?
How can you let me watch you sleep,
Then break my dreams the way you do?
How can I have got in so deep?
Why did I fall in love with you?
This is the closest thing to crazy
I have ever been Feeling twenty-two, acting seventeen,
This is the nearest thing to crazy I have ever known,
I was never crazy on my own...
And now I know that there's a link between the two,
Being close to craziness and being close to you.
How can you make me fall apart
Then break my fall with loving lies?
It's so easy to break a heart;
It's so easy to close your eyes.
How can you treat me like a child
Yet like a child I yearn for you?
How can anyone feel so wild?
How can anyone feel so blue?
Katie Melua

Sunday, April 15, 2007

Sonhos - o que nos mantém acordados?


Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.

No fundo isso não tem importância.

O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.

Sonhos que o homem sonha sempre.

Em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

William Shakespeare

Friday, April 13, 2007

Porque queremos sempre mais?!

Damos festas, abandonamos as nossas famílias para vivermos sós no Canadá, batalhamos para escrever livros que não mudam o mundo apesar das nossas dádivas e dos nossos imensos esforços, das nossas absurdas esperanças. Vivemos as nossas vidas, fazemos seja o que for que fazemos e depois dormimos: é tão simples e tão normal como isso. Alguns atiram-se de janelas, ou afogam-se, ou tomam comprimidos; um número maior morre por acidente, e a maioria, a imensa maioria é lentamente devorada por alguma doença ou, com muita sorte, pelo próprio tempo. Há apenas uma consolação: uma hora aqui ou ali em que as nossas vidas parecem, contra todas as probabilidades e expectativas, abrir-se de repente e dar-nos tudo quanto jamais imaginámos, embora todos, excepto as crianças (e talvez até elas), saibamos que a estas horas se seguirão inevitavelmente outras, muito mais negras e mais difíceis. Mesmo assim, adoramos a cidade, a manhã, mesmo assim desejamos, acima de tudo, mais.





Michael Cunningham, in As Horas

What is your reason to stay alive?

Wednesday, April 11, 2007

Viva!


Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no Outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra cobardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo traí. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que a fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Para os erros há perdão; para os fracassos, chance; para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morreu esteja vivo, quem quase vive já morreu.


Fernando Pessoa

Devaneios sobre a inconstância da vida...


Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
Fé igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...

Florbela Espanca
Porque adoro Florbela Espanca... Neste poema, ao contrário da sua visão predominantemente amargurada da vida, sente-se uma réstia de fé no amor, na possibilidade de sermos felizes. Porque vivemos na corda bamba... entre momentos de amargura e desilusão e outros tão sublimes que não conseguimos deixar de pensar que vão acabar, fugir das nossas mãos... Porque podemos sentir-nos felizes em dias negros e sentir-nos desprotegidos quando tudo à nossa volta parece apontar dias que correm bem... Porque somos inconstantes... E porque muitas vezes não compreendemos o que sentimos!
E pronto, porque me apeteceu postar qualquer coisa de Florbela Espanca e acabei por escolher este poema que traduz a inconstância dos meus sentimentos, assim como das curvas e cruzamentos que acontecem nas nossas vidas... Disse no outro dia a um amigo meu que esteve comigo em Taizé que sentia que tinha outra vez os meus 12 anos, que sentia os sentimentos à flor da pele que se traduziam em variações de humor repentinas e que isso me deixava insegura. Ele respondeu-me que era isso que caracterizava o local e que o tornava tão especial pois fazia-nos perceber que há algo vivo dentro de nós... Porque é a inconstância da vida que lhe dá o seu sabor tão característico, embora isso nos amedronte. E porque é que há tantos porquês na nossa vida?!
Será que fiz sentido hoje? Não me preocupei com a apresentação das ideias ou com a coerência gramatical. Estão como a vida... confusa e com muitas questões que nem sempre procuramos responder, num é? :P

Tuesday, April 10, 2007

Porque sou muitos... sou o infinito!


Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem achei.


De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,


Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.


Sou minha própria paisagem,

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo


Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: «Fui eu?»

Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa

Quem sou eu? Tento inserir a minha personalidade entre padrões sociais? Isto é, adapto os comportamentos em função do meio social em que estou inserido? Como se pode definir personalidade? Somos aquilo que fazemos ou fazemos aquilo que somos?!
Aiii, tantas dúvidas que me assaltam quando se começa a pensar nestas coisas... É incrível a quantidade de temas que podemos salientar quando interpretamos interpretamos uma imagem, uma pessoa, o mundo, ou uma qualquer obra de Fernando Pessoa, alguém simplesmente genial que conseguiu fazer "música" com os seus anseios...