Thursday, January 31, 2008

Amo-te


Um dia,

quando a ternura for a única regra da manhã,

acordarei entre os teus braços,

a tua pele será talvez demasiado bela e a luz

compreenderá a impossível compreensão do amor.

Um dia,

quando a chuva secar na memória,

quando o inverno for tão distante,

quando o frio responder devagar

com a voz arrastada de um velho,

estarei contigo e cantarão pássaros

no parapeito da nossa janela, sim,

cantarão pássaros, haverá flores,

mas nada disso será culpa minha,

porque eu acordarei nos teus braços

e não direi nem uma palavra,

nem o princípio de uma palavra,

para não estragar a perfeição da felicidade.


José Luís Peixoto

Tuesday, January 29, 2008

Há amor amigo
Amor rebelde
Amor antigo
Amor de pele.
Há amor tão longe
Amor distante
Amor de olhos
Amor de amante.
Há amor de Inverno
Amor de Verão
Amor que rouba
Como um ladrão.
Há amor passageiro
Amor não amado
Amor que aparece
Amor descartado.
Há amor despido
Amor ausente
Amor de corpo
E sangue, bem quente.
Há amor adulto
Amor pensado
Amor sem insulto
Mas nunca, nunca tocado
Há amor secreto
De cheiro intenso.
Amor tão próximo
Amor de incenso
Há amor que mata
Amor que mente
Amor que nada, mas nada
Te faz contente, me faz contente.
Há amor tão fraco
Amor não assumido
Amor de quarto
Que faz sentido.
Há amor eterno
Sem nunca, talvez
Amor tão certo
Que acaba de vez.
Há amor de certezas
Que não trará dor
Amor que afinal
É amor, sem amor.
O amor é tudo,
Tudo isto
E nada disto
Para tanta gente
É acabar de maneira igual
E recomeçar
Um amor diferente
Sempre, para sempre
Para sempre...

Donna Maria

Monday, January 28, 2008


"Não há nenhuma diferença entre aquilo que aconteceu mesmo e aquilo que fui distorcendo com a imaginação, repetidamente, repetidamente, ao longo dos anos. Não há nenhuma diferença entre as imagens baças que lembro e as palavras cruas, cruéis, que acredito que lembro, mas que são apenas reflexos construídos pela culpa. O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento. Quando me lembro de ter quatro anos e de estar a brincar no quintal, não sei onde terminam as imagens que os meus olhos de quatro anos viram e que permanecem até hoje comigo, ou onde terminam as imagens que inventei sempre que tentei lembrar-me dessa tarde."

in Cemitério de Pianos, José Luís Peixoto

Tuesday, January 22, 2008


“Vamos pela vida intercalando épocas de entusiasmo com épocas de desilusão. De vez em quando andamos inchados como velas e caminhamos velozes pelo mar do mundo; noutras ocasiões - mais frequentes do que as outras - estamos murchos como folhas que o tempo engelhou. Temos períodos dourados, em que caminhamos sobre nuvens e tudo nos parece maravilhoso, e outros - tão cinzentos! - em que talvez nos apetecesse adormecer e ficar assim durante o tempo necessário para que tudo voltasse a ser belo.
Acontece-nos a todos e constitui, sem dúvida, um sinal de imaturidade. Somos ainda crianças em muitos aspectos.
A verdade é que não temos razões para nos deixarmos levar demasiado por entusiasmos, pois já devíamos ter aprendido que não podem ser duradouros.
A vida é que é, e não pode ser mais do que isso.
Desejamos muito uma coisa, pensamos que se a alcançarmos obtemos uma espécie de céu, batemo-nos por ela com todas as forças. Mas quando, finalmente, obtemos o que tanto desejávamos, passamos por duas fases desconcertantes. A primeira é um medo terrível de perder o que conquistámos: porque conhecemos o que aconteceu anteriormente a outras pessoas em situações semelhantes à nossa; porque existe a morte, a doença, o roubo…
A segunda fase chega com o tempo e não costuma demorar muito: sucede que aquilo que obtivemos perde - lentamente ou de um dia para o outro - o encanto. Gastou-se o dourado, esboroou-se o algodão das nuvens. Aquilo já não nos proporciona um paraíso.
E é nesse momento que chega a desilusão, com todo o seu cortejo de possíveis consequências desagradáveis: podem passar-nos pela cabeça coisas como mudarmos de profissão, mudarmos de clube, trocarmos de automóvel ou de casa, divorciarmo-nos… E, então, surge o desejo de partir atrás de outro entusiasmo: queremos voltar a amar…
Nunca mais conseguimos aprender o que é o amor.
Se nos desiludimos, a culpa não está nas coisas nem está nas outras pessoas. Se nos desiludimos, a culpa é nossa: porque nos deixámos iludir; porque nos deixámos levar por uma ilusão. Uma ilusão - há quem ganhe a vida a fazer ilusionismo - consiste em vestir com uma roupagem excessiva e falsa a realidade, de modo a distorcê-la ou a fazê-la parecer mais do que aquilo que é.
Quando nos desiludimos não estamos a ser justos nem com as pessoas nem com as coisas.
Nenhuma pessoa, nenhuma das coisas com que lidamos pode satisfazer plenamente o nosso desejo de bem, de felicidade, de beleza. Em primeiro lugar porque não são perfeitas (só a ilusão pode, temporariamente, fazer-nos ver nelas a perfeição). Depois, porque não são incorruptíveis nem eternas: apodrecem, gastam-se, engelham-se, engordam, quebram-se, ganham rugas… terminam.
Aquilo que procuramos - faz parte da nossa estrutura, não o podemos evitar - é perfeito e não tem fim. E não nos contentamos com menos de que isso. É por essa razão que nos desiludimos e que de novo nos iludimos: andamos à procura…
De resto, se todos ambicionamos um bem perfeito e eterno, ele deve existir. Só pode acontecer que exista. Mas deve ser preciso procurar num lugar mais adequado.”




Professor Paulo Geraldo